Uma pequena obra-prima, Chernobyl é a melhor série que assisti em tempos. Com apenas cinco capítulos, ela revisita o pior acidente nuclear da história com uma produção de alta qualidade e uma razoável precisão histórica.
Na madrugada do dia 26 de abril de 1986, o quarto reator da usina nuclear de Chernobyl, na cidade de Pripyat na Ucrânia (que então fazia parte da União Soviética) explodiu devido a um teste de segurança mal-sucedido e até hoje é o pior acidente nuclear já registrado, que ainda gera consequências mesmo após mais de 30 anos.
A zona de exclusão de Chernobyl, uma área de 30 quilômetros quadrados em torno da usina, permanecerá inabitável por pelo menos cerca de 20 mil anos principalmente devido à presença do Plutônio 239, substância radioativa que permanece ativa por todo este tempo e que foi espalhada na explosão, a qual também liberou várias outras como o Iodo 131 (que dura por 8 dias) e o Césio 137 (30 anos).
Além das 31 pessoas que morreram na explosão ou pela exposição direta à radiação extrema (as únicas vítimas que foram contabilizadas pelos soviéticos), estima-se que até 27 mil outras tenham sofrido as consequências do acidente, principalmente devido ao aumento dos casos de câncer verificado nos anos posteriores. Infelizmente o custo humano exato nunca será conhecido.
AVISO DE SPOILER: se você ainda não assistiu, talvez seja melhor não prosseguir pois há algumas revelações sobre a narrativa, apesar da mesma ser baseada em um fato histórico.
Como não sou um especialista em cinema não discutirei aqui aspectos técnicos para não passar vergonha, assim me focarei apenas no feeling que a série da HBO me passou. Ela recria com uma boa precisão os acontecimentos da catástrofe, além de contar algumas histórias que acabaram sendo esquecidas ao longo das décadas.
Dentre estas histórias está a da primeira brigada do Corpo de Bombeiros de Pripyat que respondeu ao acidente. Informados de que se tratava de um incêndio comum, sem saberem do perigo foram expostos a doses letais de radiação, com muitos deles tendo morrido nas semanas seguintes.
Também foram mostrados os corajosos mergulhadores que abriram as comportas de drenagem no subsolo do reator que explodiu (o acúmulo de uma grande quantidade de água no local poderia levar a uma explosão térmica de consequências ainda mais devastadoras), e os bravos mineiros que cavaram um túnel sob a usina para a instalação de um trocador de calor abaixo do que sobrou do reator, pois se ele derretesse o material radioativo entraria no solo e contaminaria os lençóis freáticos.
Também foram mostrados os corajosos mergulhadores que abriram as comportas de drenagem no subsolo do reator que explodiu (o acúmulo de uma grande quantidade de água no local poderia levar a uma explosão térmica de consequências ainda mais devastadoras), e os bravos mineiros que cavaram um túnel sob a usina para a instalação de um trocador de calor abaixo do que sobrou do reator, pois se ele derretesse o material radioativo entraria no solo e contaminaria os lençóis freáticos.
Os bombeiros foram os primeiros a chegar em Chernobyl após o acidente |
Os principais protagonistas da narrativa são o físico nuclear Valery Legasov (interpretado por Jared Harris) e o secretário do Partido Comunista Boris Scherbina (Stellan Skarsgard), que comandaram as ações de mitigação das consequências da catástrofe para que ela não tomasse proporções ainda maiores. Há algumas licenças poéticas, dentre as quais cito a personagem da física Ulana Khomyuk (Emily Watson), que conforme os produtores representa todos os cientistas que de alguma forma ajudaram durante a crise.
Boris Scherbina e Valery Legasov |
No julgamento dos três mais diretamente responsáveis pelo acidente, o engenheiro-assistente Anatoly Dyatlov (Paul Ritter), o engenheiro-chefe Nikolai Fomin (Adrian Rawlins) e o diretor da usina Viktor Bryukhanov (Con O' Neill), há outra licença poética: Legasov jamais esteve presente no mesmo (assim não poderia ter feito qualquer testemunho), ao contrário do que foi mostrado.
Enfim, inegavelmente a série tem uma direção e produção de altíssima qualidade, além de trazer locações e cenários que reproduzem com grande precisão a atmosfera os lugares originais. A recomendo a todos, principalmente aos muitos comunistas de iPhone daqui que defendem um regime que mal conhecem.
David Dencik é Mikhail Gorbachev |
A ideologia comunista e a extrema cadeia burocrática do regime (onde tudo passa por incontáveis níveis hierárquicos) tiveram um papel fundamental na catástrofe, pois criaram condições propícias para que o teste fosse feito ignorando-se todos os protocolos de segurança, bem como também mantiveram oculta uma grave falha de projeto dos reatores RBMK, o modelo usado em Chernobyl e em muitas outras usinas do período - afinal de contas, assumir que o reator carro-chefe do programa nuclear soviético tinha uma falha grave seria uma "demonstração de fraqueza" para o resto do mundo, e esta falha foi a causa determinante do acidente. Vale lembrar que ainda existem dez reatores RBMK em operação atualmente, todos eles em ex-repúblicas soviéticas.
Também entram nesta conta a tardia evacuação da cidade de Pripyat (que chegou a ser fechada logo após o acidente para que as pessoas não saíssem e disseminassem "informações falsas e alarmistas"), a demora no reconhecimento e resposta ao acidente (feito apenas após a radiação chegar ao resto da Europa, pois não havia mais como esconder) e, é claro, a implacável atuação da KGB nos bastidores, mesmo em um acontecimento desta magnitude. E isto não é licença poética, podem ter certeza.
Também entram nesta conta a tardia evacuação da cidade de Pripyat (que chegou a ser fechada logo após o acidente para que as pessoas não saíssem e disseminassem "informações falsas e alarmistas"), a demora no reconhecimento e resposta ao acidente (feito apenas após a radiação chegar ao resto da Europa, pois não havia mais como esconder) e, é claro, a implacável atuação da KGB nos bastidores, mesmo em um acontecimento desta magnitude. E isto não é licença poética, podem ter certeza.
Finalizo com uma curiosidade pitoresca: a Rússia está produzindo uma série própria onde a culpa pelo acidente seria de um agente da CIA (assim como o Sérgio Moro também seria um agente, qualquer semelhança não é mera coincidência!) infiltrado na usina. A Rússia ao menos no papel não é mais comunista, porém a presença da ideologia continua forte por lá: novamente vão mentir para esconder a própria incompetência que levou a tão terrível catástrofe.
O design dos RBMK era (e continua sendo) proibido em países sérios.
ResponderExcluirMuito bem lembrado.
ExcluirUma coisa curiosa que aconteceu no Brasil em1986, após o acidente de Chernobyl, e que nunca esqueci, foi o escândalo do "chernobife". Havia falta de carne no mercado brasileiro, e o governo autorizou a importação de carne da Europa. Descobriu-se que a carne estava contaminada com radiação do acidente, e depois de muito bafafá a carne não foi (supostamente) distribuída. Até hoje não ouvi nada sobre o fim que deram a essa carne. Alguns jornais disseram na época que viraria ração animal, só que radioatividade não some desse jeito...
ResponderExcluirRapaz, me lembrei disso também! Realmente nunca foi falado o que foi feito desta carne. Uma vez que estava com radiação deveria ter sido destruída, mas vai saber...
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